O CORONAVÍRUS E A EVIDÊNCIA DA EQUIPE DE ENFERMAGEM: NÃO SERÁ A HORA DA VALORIZAÇÃO DA PROFISSÃO?

Foro: Web

Lenilma Bento de Araújo Meneses[1]

Edson Maria Gomes[2]

 

Ironicamente, como que por um “milagre ao avesso”, depois da CoviD-19 a Enfermagem torna-se visível e evidenciada em todo o mundo. Digo ironicamente, pois em meio a uma guerra contra um vírus, percebe-se a importância do profissional de enfermagem na atenção ao cidadão, nas instituições de saúde públicas e privadas, especialmente nos cuidados aos pacientes graves que necessitam de internamentos e de tratamentos intensivos. Aplausos, elogios, destaques em grandes jornais, menção por políticos, artistas, autoridades e pela sociedade em geral.

O fato curioso é, que a profissão de enfermagem não surgiu agora, mas, tem quase um século. Os enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem no Brasil abrangem um universo de aproximadamente dois milhões e quinhentos mil profissionais, onde 80% são compostos por auxiliares e técnicos e 20% por enfermeiros.i Esses profissionais, atuam nos três níveis de atenção à saúde e são responsáveis pelo cuidado direto ao paciente, família e/ou comunidade, durante as vinte e quatro horas do dia. Estão presentes no nascimento, desenvolvimento e morte e atuam na promoção à saúde, prevenção de doenças e agravos, recuperação e cuidados com o corpo após a morte. Muitas são as funções e os papeis que desempenham, assim como, muitas foram as endemias e pandemias que os profissionais de enfermagem estiveram à frente combatendo e cuidando, no entanto nunca foi vista tanta visibilidade e reconhecimento de sua importância.

Muitos vão dizer que esta ênfase se dá em razão das facilidades midiáticas da atualidade, como as redes sócias e outros meios telemáticos disponível a partir dos avanços dos vários meios de comunicação. Tem sido massiva a presença dos profissionais de enfermagem nos noticiários. Claramente essa presença é decorrente de sua importância dentro da equipe de saúde, por ser este um componente de aproximadamente 75% de toda mão de obra envolvida nos diversos níveis de complexidade da atenção à saúde.

Destarte, este momento torna-se extremamente fértil para a valorização da categoria, considerando o reconhecimento “verbal” destes profissionais, mas a falta de legislações que assegurem seus direitos. Nesse contexto em destaque, os profissionais de enfermagem precisam resgatar as históricas “bandeiras de lutas” que vêm sendo reivindicadas ao longo dos últimos 30 anos. Na pauta das reivindicações, estão a jornada de trabalho de 30 horas semanais, descanso intrajornadas e aposentadoria especial para todas as categorias de profissionais de enfermagem, entre outras. Sabe-se que são projetos e mais projetos de Leis que seguem arquivados, esquecidos, abandonados no congresso nacional. Enfrentamos a luta por piso salarial nacional para todas as categorias de enfermagem, Plano de Cargos Carreiras e Salários, repouso em ambiente adequado, condições dignas de trabalho, dimensionamento de pessoal nas escalas, insalubridade, adicional noturno, equipamento de proteção individual (EPI) e ainda Educação Permanente em Saúde, como política de gestão nas instituições.

A situação da pandemia nos remete a refletir como estão as condições de trabalho dos profissionais de enfermagem, um importante quantitativo de trabalhadoras e trabalhadores que se encontram no enfrentamento da CoviD-19. Ressalta-se que no cotidiano, na ausência da emergência de saúde pública, a situação de trabalho em muitos serviços de saúde se mostra precária. Quando somamos a essa situação a atual realidade de emergência, em função da pandemia que estamos enfrentando, com aumento do número de internações, pessoas graves, risco de contágio pela CoviD-19, precariedade de equipamentos de proteção individual, seja pela ausência ou pela inadequação de pessoal e, as insuficientes condições de trabalho, percebe-se que, os profissionais de enfermagem estão diariamente trabalhando com enorme fragilidade, medo, insegurança e incerteza, o que afeta sua saúde mental e física e o mais grave de tudo, trabalhando com baixos salários e ausência de pagamento de direitos, como, insalubridade em grau máximo e adicional noturno.

Diante do exposto é, bem contraditório quando comparamos as expressões de reconhecimentos com a instabilidade e desvalorização em que esses profissionais são submetidos nos seus trabalhos.

Acompanhamos que, do início da doença no Brasil (janeiro de 2020) até a primeira quinzena de maio de 2020, cerca de 10 mil profissionais de enfermagem foram afastados de suas funções, em decorrência do contágio pelo Coronavírus, por problemas dos serviços, ou ainda por problemas de saúde física e/ou emocional. De acordo com os dados do observatório de casos de mortes de profissionais de enfermagem com suspeita de Coronavírus ou comprovação da CoviD-19, entre os dias 20/03/2020 e 10/05/2020 muitos dos que contraíram a doença, agravaram e morreram. Neste contexto, podemos observar que a mortalidade na categoria alcança em larga escala os profissionais de nível médio (Auxiliares e Técnicos de enfermagem), isso em decorrência do quantitativo destes profissionais no conjunto de toda categoria. Fazendo a análise desses dados, observa-se que os auxiliares representam 11% das vítimas fatais, os técnicos de enfermagem 65% e os enfermeiros 24%, em se tratando de profissionais de nível médio, a mortalidade atinge 76% de todas as vítimas de casos suspeitos e comprovados de CoviD-19 no Brasil.*1

Diante dos fatos já contextualizados, intensifica-se a necessidade de se valorizar concretamente os profissionais de Enfermagem. Para tanto, é fundamental recorrer às autoridades, exigir salários dignos e concursos públicos, negar o trabalho voluntario, retomar a pauta de reivindicações da categoria e jamais aceitar trabalhar sob quaisquer riscos, como, falta de condições, capacitação, precaução padrão, segurança, equipamentos e tempo de repouso adequado. É hora de trabalharmos com o apoio e a defesa do conselho de enfermagem, dos sindicatos de enfermeiros e técnicos de enfermagem, embora na Paraíba ainda não tenha, da Associação Brasileira de Enfermagem, da sociedade civil organizada, dos parlamentares, dos colegas de equipe e de todos os que estão sensíveis a valorização do profissional de enfermagem.

É importante ressaltar que não é apenas devido a CoviD-19 que os profissionais de enfermagem estão em evidência. 2020, foi declarado pela Organização Mundial da Saúde – OMS e Organização Pan-americana de saúde - OPAS o ano internacional de profissionais de enfermagem e obstetrícia, exatamente pelo reconhecimento da importância destes profissionais para a saúde da sociedade mundial. Em consequência disso foi lançada a campanha global "Nursing Now", que tem como principal objetivo fortalecer a educação e o desenvolvimento dos profissionais da área de enfermagem. Outro fato de relevância é o bicentenário da patrona da enfermagem Florence Nightingale, reconhecida mundialmente por ter mudado a história da enfermagem contemporânea. Ela introduziu os princípios de higiene, assepsia e antissepsia, que ajudaram a transformar os conceitos de saúde pública, utilizou o planejamento nas ações e fórmulas matemáticas no cuidado de enfermagem, valorizou a importância de ambientes benéficos para a saúde mental e física, orientou os soldados a ocuparem seu tempo lendo livros, escrevendo cartas e conversando com colegas, para não entrarem em depressão, nem morrerem. Tudo que foi pensado por Florence está vivo e presente hoje.

O Interessante é que exatamente no ano em que se comemora 200 anos do nascimento de Florence, conhecida mundialmente por atuar na guerra da Crimeia, a enfermagem torna-se destaque mais uma vez por enfrentar uma outra guerra e volta a utilizar e valorizar as mesmas armas/recursos que foram utilizados por Florence Nightingale, principalmente os princípios de higiene, assepsia e antissepsia. Desta vez, a guerra é contra um vírus que atravessou continentes e países e vem causando uma enorme mortandade.

Reconhecemos que estamos em um cenário ideal para conseguirmos de uma vez por todas conquistarmos a tão sonhada valorização de nossa profissão. De um lado temos o ano dedicado aos profissionais de enfermagem, do outro, temos o dinamismo, bravura e o protagonismo dos profissionais da enfermagem no combate a CoviD-19, com uma ressalva, o reconhecimento público e midiático da necessidade imprescindível e da importância desses profissionais. O desafio que temos para pós pandemia é conseguirmos que as palavras elogiosas não se percam ao vento e sim, tornem-se Leis, Decretos, Resoluções em função dos direitos da maior categoria de profissionais de saúde do mundo. A hora da mudança é agora!

Parabéns Enfermeiros!

Parabéns Auxiliares e Técnicos de Enfermagem!



[1] Professora Adjunto IV da Universidade Federal da Paraíba, Presidente da ABEn PB anos 2013 – 2019, Integrante da Rede de Atenção Primária em Saúde da ABRASCO, Membro da Rede Unida, Coordenadora do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva – NESC/UFPB.

[2] Professor, Técnico de Enfermagem, Presidente do Coletivo Ana Nery de Enfermagem, coordenador do Comité de Auxiliares e Técnicos de Enfermagem da ABEn PB.


Comentários

Unknown disse…
Faz quase um ano que escrevemos essa nota e a situação dos profissionais de saúde permanece a mesma. Muito trabalho e pouquíssimo reconhecimento em forma de Leis. Quanto descaso com os profissionais de enfermagem. Absurdo!